SABURA

Espero que todos os viajantes da blogosfera, que pausem aqui se sintam satisfeitos e possam relembrar-se de África, em especial da Guiné-Bissau.

domingo, 29 de abril de 2012

Kononton V



            E a floresta entranhava-se mais e mais em Kononton. Até ao desvanecimento pela fome e pela sede. O seu corpo desmembrou-se e o espírito vagueou pelo infinito das memórias.

            Aquele 9, aquele 9 insistente, o 9 do seu absoluto, apareceu-lhe outra vez: os 9 dias do “choro” dos velhos mortos; os 9 grãos mágicos da “mesinha” confecionada pelo feiticeiro para as suas amarrações; os 999 degraus da escada para o reino dos mortos…

            No momento em que kononton estendia a mão para retocar o seu velho pai defunto, o corpo estremeceu-lhe e o espírito vagou. Kononton quis reencontrar o “papesinho”, mas não conseguiu vergar a vontade do espírito, vagabundo de si.

            E cruzamentou-se com aqueles da aldeia que deixaram o corpo inerte de lado e ombreavam com os vivos, invisivelmente.

            Tio Mekongo! Esquecera-se de honrá-lo, deixando arroz cozido e vinho de palmeira junto ao seu túmulo. Esquecera-se de fazer chegar à família a maleta, rota da idade, com os seus velhos pertences.

            Desgraçado! Por sua causa o tio não descia ao reino dos mortos e nenhum recém-nascido macho podia ser renomeado Mekongo. E a linhagem extinguir-se-ia. Ao longe ouvia-o implorar:

“Vai-te, Morte!

Guarda-me um lugar bem lá no fundo.

Que faço eu sozinho neste mundo, cá em cima?

Ò irmão defunto, meu irmão, porque me abandonaste?



Os meus amigos passeiam-se,

Dois a dois ou três a três.

Mas eu deambulo sozinho!

Por acaso nasci sozinho?



Onde me sentarei com a minha mágoa?

Meu pai morto! Minha mãe morta!

Todos os meus irmãos morreram.

Só resto eu! Que espero?

Que esperais?



Irmão, guarda-me um lugar bem lá no fundo!

Meu pai, espera por mim!

Espera, que já vou a caminho!”

            Kononton embalado pela imprecação, aterrou-se com os olhos do tio, que corriam para ele, faiscantes, carregados de ira mortal.

            E acordou. Quis fugir, mas o corpo não se moveu. Tateou com medo de abrir os olhos à claridade e sentiu anéis fortes à sua volta. E fez-se-lhe luz: eram os anéis do seu pitão protetor. Aliviado, Kononton anelou-se com ele e assim ficou minutos… horas. Dias?

            Lembra-lhe, apenas, que o ressuscitou um vago cheiro… de comida! Olhou e viu: o pitão regurgitara a última gazela que apertara num abraço mortal e partilhava com o pobre soldado o seu alimento.

Sem comentários:

Enviar um comentário