SABURA

Espero que todos os viajantes da blogosfera, que pausem aqui se sintam satisfeitos e possam relembrar-se de África, em especial da Guiné-Bissau.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Kononton IV

Ao nono dia! Kononton refletiu e reencontrou-se com a história da sua raça: os ensinamentos dos seus avós relembraram-lhe o tempo em que as semanas tinham oito dias e se descansava ao nono.

Nha Omar solenizava:

-O nono dia é o tempo para perseguir a plenitude, visar o absoluto, totalizar-se com a natureza, voltar às origens.

Kononton sorriu-se do homem mais velho que os velhos, da sua solenidade magistral. E decidiu seguir as correntes da sua tradição, procurando o seu absoluto: “terra tuga”. Então, levantou-se e olhou em redor. Devia propiciar à Mãe Lua. Só Ela poderia proteger suas caminhadas noturnas. Os olhos habituados à noite descobriram-no. Ali estava o seu tombo, arbusto em forma de baguette e raiz espiralada. O seu coração encheu-se de um ardor inquietante e estranho; sacou da catana, escavou em volta, pondo a descoberto o raízoto e desenterrou o tombó. Contemplou-o embevecido e cortou-o religiosamente, de um golpe mágico, a um metro de altura, como lhe ensinara o velho Omar.

Acendeu um fogo e colocou a ponta do tombó bem no meio. Sentou-se e aguardou. E quando Ela surgiu, majestosa no seu esplendor, levantou-se, a cabeça em atitude reverencial, e apontou à Lua o tombó incandescente. A sua voz temerosa falou:

- Mãe Lua! Ó tu, que nasces para guiar os meus pés na noite, traz-me a Sorte; traz a Sorte a Nhem-Nhem, Woro, Djaló, Djiba e Ndani. Mãe Lua! Quando desapareceres leva contigo todos os que me querem mal e tudo o que me possa fazer mal! Mãe Lua! Faz que o gigante pitão arco-íris coma invisivelmente os meus inimigos e destrua as suas riquezas!

Terminada a imprecação, baixou as calças e, como vira fazer aos que o precederam, apagou o fogo do tombo contra as suas nádegas. O grito de dor afogou o cheiro agridoce da carne queimada, o cheiro da sua carne imolada à Protetora.

Forcejando com a dor, esperou que o tombó arrefecesse e esfregou-o, carbonizado, na fronte e na nuca, dizendo:

- Que o bem esteja à minha frente e o mal atrás!

Kononton, sob o olhar maternal daquela que unia o Céu à Terra, sentiu-se marcado e possuído pelo Poder e pela Força, recompensado pelo seu sacrifício.

Juntou os parcos haveres que lhe restavam e retirou da sua mochila de combatente uma pequena marmita, miniatura do céu de Kononton, – como recipiente, que se usa ou não, para obter os seus favores - e pousou-a no chão, olhando em redor.

Fixou-se, de novo, na Mãe Lua e avançou resoluto na noite, silencioso e rápido em direção ao nada. E, no mesmo instante onírico, deslizando impercetível por entre a folhagem, a pelagem arco-íris do pitão protetor aproximou-se da marmita e pareceu cheirá-la e reconhecê-la. Rodeou-a uma e muitas vezes. Enrolou-se nela uns minutos.

Depois, levantou a cabeça para a Mãe… e desapareceu veloz e insidiante no trilho de Kononton, floresta dentro.

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico